sábado, 25 de maio de 2013

Como falar de morte com os filhos


Falar de morte com crianças não é mesmo nada fácil. Como a gente pode tentar explicar uma coisa que não entende e que é tão dolorida? Dá uma tentação louca de que nossos filhos não precisem passar por isso, muito menos quando tão novos. Sim, isso já passou pela cabeça de qualquer um que tenha filhos, mas o melhor mesmo é que seja só um desejo utópico. Uma das coisas que todos os especialistas entrevistados para esta reportagem disseram é que, independentemente da idade do seu filho e da situação – se morreu um bicho de estimação, um parente próximo ou um conhecido distante –, não se deve mentir ou esconder o fato das crianças. “As crianças são só crianças, não bobas”, afirma Maria Helena Franco, psicóloga e coordenadora do Laboratório de Estudos sobre o Luto da PUC-SP.
É difícil dizer o que seu filho entende em cada idade. Diferentemente dos aspectos do desenvolvimento motor, o emocional é mais individual e depende também das experiências de vida de cada pessoa e família. Mas é certo que, mesmo tão cedo quanto aos dois anos, as crianças são capazes de perceber mudanças no clima e nas emoções da casa. Então seu filho vai perceber se você estiver triste, preocupado, ou agindo diferente. “Se os pais escondem da criança que um cachorro ou peixe do aquário morreu, dizendo que ele fugiu ou sumiu, e depois ela vê o bicho morto, ou mesmo ouve uma conversa sem querer, ocorre a quebra da confiança que ela tem em seus próprios pais”, explica Rita Callegari, psicóloga do hospital São Camilo (SP).
A gente também se engana quando acha que nossos filhos nunca ouviram falar em morte. Ela está nos livros infantis, nos filmes – os pais de Simba morrem em O Rei Leão, a Branca de Neve cai em sono eterno ao morder a maçã, os vilões são mortos pelos mocinhos no final –, nas notícias da TV, nas conversas das pessoas na rua. Também está naquele pernilongo que ela vê morto, nas flores que murcham no vaso.
A diferença é que, até por volta dos 6 anos, a criança não entende que a morte é irreversível. “Nessa fase ela não difere fantasia da realidade, acredita que, assim como nos desenhos animados, dá para se levantar depois que cai uma bigorna na sua cabeça”, ensina Julio Peres, psicólogo e autor do livro Trauma e Separação (Ed. Roca). Ele explica que é preciso deixar a criança “brincar de morto”, sem repreender. Isso, somado às pequenas mortes do dia a dia, dos insetos, plantas e pequenos animais, são um bom treino para entender a sequência da vida e facilita na hora de lidar com uma morte de alguém próximo.
Claro que o curso do mundo nem sempre permite essa sequência ideal e que, mesmo com esse “contato prévio”, a hora que a situação vira real e perto da gente, muda tudo. E receita pronta para fazer tudo certo não existe. Depende de quem morreu, de como foi a morte, da proximidade da família e da criança, das crenças e religiosidade de cada um, da personalidade do seu filho. Mas alguns pontos são importantes para se levar em conta e separamos eles aqui:
Na hora de contar, se for alguém muito próximo e você estiver sofrendo muito, procure se acalmar primeiro. Use uma linguagem simples que seu filho entenda. Rita aconselha usar o verbo morrer mesmo. Se a pessoa estava muito doente ou tinha muita idade, isso vai responder à famosa pergunta “por quê?”. Já as metáforas que os adultos usam para falar de morte podem não funcionar tão bem, principalmente para as crianças menores de 6 anos. Dizer que o vovô foi viajar, que a tia foi morar com o papai do céu, ou que o primo vai dormir para sempre são conceitos difíceis para os mais novos. Eles ficam imaginando por que o papai do céu não deixa vir visitar, podem ficar com medo de dormir e não acordar mais, ou do pai ir viajar e nunca voltar. Seja simples e espere pelas dúvidas de seu filho. “Temos o hábito de antecipar a angústia da criança pela nossa própria e por vezes damos informações além das que ela precisa e pediu. Dê tempo para ela compreender tudo”, comenta Julio.
Os rituais A participação infantil nos rituais de velório, enterro, cremação e até mesmo a visita a um parente doente é uma questão muito particular. Há quem pense que nenhuma dessas situações é adequada para crianças, que é melhor guardar apenas memórias dos entes queridos saudáveis e vivos, e há quem acredite que elas podem e devem estar junto, uma maneira de demonstrar que a família se reúne nos momentos felizes e tristes. A decisão vai variar de acordo com os valores de cada família. De novo, o que é importante é avaliar e respeitar os limites e capacidades de seu filho. Se o ambiente estiver carregado de muita emoção, pessoas chorando e demonstrando desespero, como ocorre no caso de mortes violentas ou inesperadas, evite envolver mesmo os mais velhos, até 12 anos. Outro ponto é analisar os seus próprios sentimentos. Você está sob controle? Tem como dar suporte ao seu filho ou algum parente próximo que possa cuidar dele também? Caso a sua decisão for levar as crianças, explique como vai ser antes. Que vai haver uma caixa, a pessoa vai estar deitada lá dentro, mas que não pode ouvir, falar ou se mexer, diga que as pessoas vão estar tristes, chorando, que é um momento de dizer adeus àquela pessoa. Conte até mesmo se terá flores, incensos, música ou velas. Se possível, depois de explicar, deixe a criança decidir se quer ir ou não. Se ela for, esteja pronto para trazê-la de volta para casa se ela não quiser ficar, não espere que ela consiga acompanhar quieta ou séria o tempo todo e entenda se ela falar algo que, no mundo dos adultos, não seria apropriado.
O depois “O que a criança quer saber é para onde foi a pessoa”, aponta Ceres de Araújo, psicóloga especializada no atendimento infantil (SP). E isso muitas vezes não será resolvido com uma única resposta. Seu filho possivelmente vai perguntar outras vezes sobre onde está a vovó, se ela pode vê-lo, se ela come e toma banho onde está. Para responder, você vai usar as crenças da sua família. Quando não souber o que dizer, seja sincero: diga que não tem a resposta, mas que vai pensar e fala com ela, por exemplo, antes de irem para a escola. Se ele perguntar algo diferente do que você acredita, dizendo que viu na TV ou ouviu um amigo falar, diga que o que ocorre depois da morte é mesmo uma coisa misteriosa, que ninguém sabe direito, mas que você acredita desse jeito e outras pessoas, de outro. É uma ótima maneira de exercitar a boa convivência com a diversidade. Nas primeiras semanas, a criança também viverá o luto. Ela pode ficar um pouco mais agressiva, dispersa, com dificuldades para dormir e, no caso dos mais novos, regredir em algo que já havia aprendido, como voltar a fazer xixi na cama. É tudo normal. Não dê bronca nem se preocupe. Em geral, passa logo e você só deve agir se o comportamento ficar muito intenso ou não passar em mais de dois meses.
E o meu luto? A morte de uma pessoa querida é difícil sempre e quem tem filhos se pega no dilema de como viver a sua própria perda, a sua dor sem que isso seja ruim para as crianças. Não esconda o que está sentindo. Se precisar chorar na frente de seu filho, chore. Isso mostra a ele que não tem problema ele se sentir triste também. E que tudo bem mostrar as emoções. Pois é exatamente isso que prova que estamos vivos, como bem lembrou Julio Peres. “A palavra emoção, em sua raiz, significa sangue em movimento. Ou seja, é vida em seu sentido literal.”

Fonte: Revista Crescer

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